Ibovespa recupera nível pré-crise política; dólar cai a R$ 3,88

Por Juliana Machado e Lucas Hirata | Valor

SÃO PAULO  –  Em uma semana marcada por profunda pressão sobre os ativos locais, o Ibovespa já volta aos patamares pré-crise institucional e dá sequência aos ganhos registrados no pregão anterior. Com a trégua na cena política, que aparentemente continua em Brasília, o índice já oscila acima dos 95 mil pontos nesta tarde, impulsionado pelas “blue chips” da bolsa.

Às 13h40, o Ibovespa tinha alta de 1,41%, aos 95.721 pontos. O giro financeiro atinge os R$ 5,169 bilhões. As ações do setor bancário e também da Petrobras oscilam em alta no dia, ajudando na performance do índice.

O setor de siderurgia, com a alta do minério de ferro no exterior, é o grande destaque de hoje. Na maior alta, a CSN ON sobe 5,68%, enquanto a Usiminas PNA ganha 4,03%. No caso das duas companhias, reajustes aplicados ao preço do aço fornecidos à indústria, que começam a valer em abril, também animam o mercado.

O avanço dos preços do minério de ferro na China, que foi de 2,5% hoje, dá respaldo ao avanço da Vale (4,32%), uma das ações de maior peso e liquidez no Ibovespa. Com o avanço do preço hoje, a commodity zerou as perdas acumuladas em março. A cotação atingida, de US$ 86,81, é a maior em dez dias. O avanço da Vale na bolsa eleva também o interesse pela Bradespar (3,76%), que é acionista da mineradora.

“Por ser uma empresa muito ligada ao dólar, ontem a Vale não acompanhou o rali do mercado e caiu com a Suzano, que são papéis mais defensivos. Hoje, ela também conta com um efeito de ‘tirar o atraso’ do dia anterior”, afirma Christian Laubenheimer, sócio da Platinum Investimentos.

Ainda de acordo com o profissional, a semana também reservou ao ambiente doméstico mudanças abruptas de cenário de um dia para outro. No entanto, a forte busca por proteção na bolsa que se viu no pico das tensões entre governo e Congresso envolvendo a reforma da Previdência “faz menos sentido agora”.

“Muita gente reduziu exposição e ficou vendido

[em ações]

. Hoje, vejo mais uma reversão de posições vendidas [que ganham na queda dos ativos]. Além disso, quem estava querendo voltar para o mercado viu oportunidade de entrada importante com as quedas, que deixou papéis muito baratos”, diz.

Na outra ponta, as empresas do setor de educação seguem na liderança das perdas do Ibovespa, depois da divulgação do balanço trimestral da Kroton, que não foi tão bem recebido pelos investidores. A Kroton ON cai 4,31%, enquanto Estácio ON recua 2,94%.

O balanço da Kroton mostrou uma geração de caixa que chamou a atenção dos investidores por ter sido fraca. Segundo o BTG Pactual, os R$ 138 milhões de geração pós-capex (investimento de capital) representa apenas 27% de conversão em relação ao lucro operacional ajustado contábil registrado pela empresa.

Na leitura do banco, o desempenho segue a tendência dos últimos trimestres e gera preocupação com as perspectivas para a companhia, que já foram fruto de receios no mercado. “A provisão para alunos pagantes tanto no presencial como no EAD [ensino a distância] aumentou na comparação anual e precisamos entender isso melhor”, dizem os analistas em comentário distribuído a clientes.

Ainda cena corporativa, outras companhias que anunciaram balanços no quarto trimestre de 2018 valem menção hoje. É o caso da Taesa Unit, que ganha 2,19%, depois de subir mais de 3% e liderar o Ibovespa. O lucro líquido da transmissora foi de R$ 327 milhões, alta de 17,8% sobre igual período em 2017. A receita líquida subiu 56,5% no intervalo, para R$ 564,1 milhões.

A Sabesp ON também opera em alta (2,93%). A empresa de saneamento lucrou R$ 1,51 bilhão no quarto trimestre de 2018, uma alta de 146% sobre mesmo período um ano antes. Assim como a receita, o lucro registrou o maior valor nominal — sem correção da inflação — desde 2010, quando as regras contábeis brasileiras foram alteradas.

Dólar

O mercado de câmbio também tem mais um dia de alívio hoje, dando um sinal mais positivo no fim de uma semana de grande nervosismo. O dólar cai pela segunda sessão consecutiva e volta a operar abaixo de R$ 3,90. Vale dizer, contudo, que os investidores não parecem ter baixado a guarda, mesmo com os sinais de conciliação entre o governo e o Congresso.

Por volta das 13h44, o dólar comercial era negociado em baixa de 0,68%, aos R$ 3,8880, depois de cair até R$ 3,8682. Apesar da queda, a cotação segue distante da marca de R$ 3,76 que prevalecia antes da prisão do ex-presidente Michel Temer e das trocas de farpas entre integrantes do Executivo e do Legislativo.

Isso porque ainda existe um clima de cautela com os caminhos da política e o ambiente externo, que enfrenta riscos persistentes de desaceleração econômica global. “As preocupações de que a reforma não será aprovada surgirão de tempos em tempos, o que deve colocar o real sob pressão de depreciação”, diz You-Na Park, estrategista do Commerzbank em Frankfurt.

No entanto, mesmo com uma estrada tortuosa pela frente, a expectativa é de que a reforma será aprovada. “A maioria dos políticos parece entender que a reforma é altamente necessária para as finanças do Estado”, diz a analista. You-Na Park trabalha com cenário de queda do dólar a partir do segundo semestre para a taxa de R$ 3,60 no final do ano e R$ 3,40 no final de 2020, o que também leva em conta a previsão de dólar mais fraco no mundo.

O risco de que a economia brasileira sairá dos trilhos, sem a aprovação da reforma da Previdência, cobra um preço elevado do mercado de câmbio. Alguns modelos de análise sugerem que o dólar estaria cotado hoje em nível bem mais próximo de R$ 3,60 caso fosse direcionado apenas pelos fundamentos econômicos. Ou seja, o prêmio da desconfiança no mercado chega a aproximadamente 10% em relação à taxa efetiva de câmbio, de R$ 3,90.

Essa é a avaliação do professor Emerson Fernandes Marçal, que coordena o Centro de Estudos em Macroeconomia Aplicada da FGV EESP. “Se você olhar friamente para os números da economia, a tendência seria de uma taxa de câmbio mais baixa, não o que vemos agora”, diz. O valor da moeda americana contra o real até ensaiou uma queda após a eleição e no começo do ano, mas depois passou a enfrentar momentos de maior instabilidade.

O descompasso se arrasta há algum tempo, na avaliação do especialista. Tanto é que os modelos indicam que o real brasileiro fechou o ano de 2018 cerca de 12% mais fraco que seus fundamentos sugeriam, calcula Marçal, com base em dados divulgados até dezembro. “Acreditamos que o mercado cambial tende a caminhar na direção de normalização e diminuição do desalinhamento ao longo de 2019, mas eventuais turbulências não estão descartadas”, diz.

(Juliana Machado e Lucas Hirata | Valor)

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